segunda-feira, 30 de junho de 2014

Sermão da Planície (Carlos Drummond de Andrade):

Olámini_gifs187 Como estão? Espero bem. Eu estou bem, tive um dia bastante produtivo!Polegar para cima 

Em um dos meus últimos posts (este), disse que não escreveria sobre a Copa do Mundo, aqui no Hidden Luna. E, de fato, não pretendo fazê-lo. Mas, há algo que desejo comentar e algo que desejo compartilhar. O comentário é sobre a vaia da torcida brasileira, presente no Mineirão, durante a execução do hino chileno. Foi uma tremenda falta de educação, respeito e consideração pelo próximo, transmitida para o mundo inteiro, ou seja, como dizia a minha avó paterna: que papelão! Irritado Os chilenos revidaram, mas no caso deles foi defesa, não ataque. O hino é um dos símbolos pátrios de um país, vaiada foi a pátria do Chile, não o time! Se algum chileno passar por aqui, eu gostaria de pedir desculpas e garantir que nem todos os brasileiros são assim. Torci e fiquei muito feliz com a vitória do Brasil, mas a partida teve parte considerável do brilho retirada pelo bando de mal-educados, incapazes de respeitar o adversário!Nhé-nhé Pronto, falei!

O que desejo compartilhar, é uma crônica deliciosa do Carlos Drummond de Andrade. Se você não sabe quem ele é, te dou cinco minutos pra sentir muita vergonha e outros cinco pra fazer uma pesquisa rápida, no Google! … O Drummond poeta é talentosíssimo, um dos melhores da nossa literatura, mas eu gosto muito do cronista! mini_gifs50 Crônicas, aliás, são textos ótimos pra despertar o prazer da leitura th_h260920_05. Estão entre o jornalismo (porque, pelo menos no início eram escritas em jornais) e a literatura. Os bons cronistas são capazes de comentar fatos de uma forma que um jornalista não consegue, exatamente por acrescentarem arte, lirismo! E o Drummond é um dos melhores, na minha opinião. Tenho quase todos os livros de crônicas dele. A crônica que escolhi faz parte do livro Boca de Luar (mais detalhes abaixo), disponível nas bibliotecas de São Paulo e na livraria Cultura, que é bem legal, porque entrega os produtos rápido e sem problemas! Este é o meu livro, aliás …

Boca de Luar

O Sermão da Planície, baseado no bíblico Sermão da Montanha, é o máximo!Smiley de boca aberta Eu lembrei muito dele durante o jogo do Brasil, porque realmente foi algo só para os fortes!th_siro09Espero que vocês gostem da crônica, tanto quanto eu. Reproduzo aqui a versão do livro, sem reforma ortográfica Nhé-nhé:

SERMÃO DA PLANÍCIE

(para não ser escutado)

Bem-aventurados os que não entendem nem aspiram a entender de futebol, pois deles é o reino da tranqüilidade.

Bem-aventurados os que, por entenderem de futebol, não se expõem ao risco de assistir às partidas, pois não voltam com decepção ou enfarte.

Bem-aventurados os que não têm paixão clubista, pois não sofrem de janeiro a janeiro, com apenas umas colherinhas de alegria a título de bálsamo, ou nem isto.

Bem-aventurados os que não escalam, pois não terão suas mães agravadas, seu sexo contestado e sua integridade física ameaçada, ao saírem do estádio.

Bem-aventurados os que não são escalados, pois escapam de vaias, projéteis, contusões, fraturas, e mesmo da glória precária de um dia.

Bem-aventurados os que não são cronistas esportivos, pois não carecem de explicar o inexplicável e racionalizar a loucura.

Bem-aventurados os fotógrafos que trocaram a documentação do esporte pela dos desfiles de modas, pois não precisam gastar tempo infindável para fotografar o relâmpago de um gol.

Bem-aventurados os fabricantes de bolas e chuteiras, que não recebem as primeiras na cara e as segundas na virilha, como os atletas e os assistentes ocasionais de peladas.

Bem-aventurados os que não conseguiram comprar televisão a cores a tempo de acompanhar a Copa do Mundo, pois, assistindo pelo aparelho do vizinho, sofrem sem pagar 20 prestações pelo sofrimento.

Bem-aventurados os surdos, pois não os atinge o estrondar das bombas da vitória, que fabricam outros surdos, nem o matraquear dos locutores, carentes de exorcismo.

Bem-aventurados os que não moram em ruas de torcida institucionalizada, ou em suas imediações, pois só recolhem 50% do barulho, preparatório ou comemoratório.

Bem-aventurados os cegos, pois lhes é poupado torturar-se com o espetáculo direto ou televisionado da marcação cerrada, que paralisa os campeões, ou do lance imprevisível, que lhes destrói a invencibilidade.

Bem-aventurados os que nasceram, viveram e se foram antes de 1863, quando se codificaram as leis do futebol, pois escaparam dos tormentos da torcida, inclusive dos ataques cardíacos infligidos tanto pela derrota como pela vitória do time bem-amado.

Bem-aventurados os que, entre a bola e o botão, se contentaram com este, principalmente em camisa, pois se consolam mais facilmente de perder o botão da roupa do que o bicho da vitória.

Bem-aventurados os que, na hora da partida internacional, conseguem ouvir a sonata de Albinoni, pois destes é o reino dos céus.

Bem-aventurados os que não confundem a derrota do time da Lapônia pelo time da Terra do Fogo com a vitória nacional da Terra do Fogo sobre a Lapônia, pois a estes não visita o sentimento de guerra.

Bem-aventurados os que, depois de escutar este sermão, aplicarem todo o ardor infantil no peito maduro para desejar a vitória do selecionado brasileiro nesta e em todas as futuras Copas do Mundo, como faz o velho sermoneiro desencantado, mas torcedor assim mesmo, pois para o diabo vá a razão quando o futebol invade o coração.

Carlos Drummond de Andrade, Boca de Luar, RJ: Record, 2009, p.75-77.

Abraços e até a próxima postagem! cute_cao_54

Lunamini_gifs185

Nenhum comentário:

Postar um comentário