quinta-feira, 1 de maio de 2014

Os Filhos dos Dias – Eduardo Galeano:

Olámini_gifs187 Como vão vocês? Conforme o prometido, estou aqui pra comentar um pouquinho o livro do Eduardo Galeano, um dos últimos que comprei, li e amei mini_gifs50 . É a obra mais recente do escritor uruguaio, de 2012, e deve ter dado um trabalhão já que, como eu disse no post de ontem, é uma espécie de calendário histórico com um quê de almanaque, em que o autor conta histórias, comenta episódios, acontecimentos e datas comemorativas e compartilha textos de outros autores, relacionados a um determinado dia. Organizado em meses e dias, o livro apresenta um relato curto por dia. Uma das grandes características do Galeano, na minha opinião, é a capacidade de dizer muito em poucas palavras. Os Filhos dos Dias abrange vários períodos históricos, inúmeros acontecimentos e personagens. A prosa do Galeano é gostosa, acessível, comove e faz pensar. Eu li o livro (de mais de 400 páginas) em pouquíssimo tempo e é o tipo de leitura à qual sempre é possível e prazeroso voltar! th_h261018_07 Na faculdade de Letras, tive uma professora, chamada Diva e ela dizia que ninguém pode falar a respeito de um livro como o próprio. Concordo em gênero, número e grau. Então, deixo aqui dez razões pra vocês lerem Os Filhos dos Dias, ou dez trechos da obra. Estou apenas compartilhando o que gostei, citando a fonte direitinho. Os trechos foram extraídos da 2ª edição, traduzida por Eric Nepomuceno, editora L&PM, 2012. A foto da capa está na postagem de ontem e eu comprei o livro na Livraria Cultura, do Conjunto Nacional, aqui em São Paulo. Mas, ele também pode ser encontrado aqui e aqui.

Vamos ao que interessa, então:

Fevereiro

11

Não

Enquanto nascia o ano de 1962, uma desconhecida banda – duas guitarras, um baixo, uma bateria – gravou em Londres seu primeiro disco.

Os rapazes voltaram para Liverpool e se sentaram para esperar.

Quando já não tinham mais unhas para roer, num dia como hoje receberam a resposta. A Decca Recording Company dizia a eles, com franqueza:

- Não gostamos do seu som.

E sentenciava:

- As bandas de guitarras estão desaparecendo.

Os Beatles não se suicidaram. (p.59)

*

Março

3

Libertadoras brasileiras

Hoje terminou, em 1770, o reinado de Teresa de Benguela em Quariterê. Foi um dos santuários de liberdade dos escravos fugidos no Brasil. Durante vinte anos, Teresa enlouqueceu os soldados do governador de Mato Grosso. Não conseguiram apanhá-la viva.

Nos esconderijos da floresta, houve umas quantas mulheres que além de cozinhar e parir foram capazes de competir e de mandar, como Zacimba Gambá, no Espírito Santo, Mariana Crioula, no interior do Rio de Janeiro, Zeferina, na Bahia, e Felipa Maria Aranha, no Tocantins.

No Pará, nas margens do rio Trombetas, não havia quem discutisse as ordens de Maria Domingas.

No vasto refúgio de Palmares, em Alagoas, a princesa africana Aqualtune governou uma aldeia livre, até que foi incendiada pelas tropas coloniais em 1677.

Ainda existe, e se chama Conceição das Crioulas, em Pernambuco, a comunidade que duas negras fugitivas, as irmãs Francisca e Mendecha Ferreira, fundaram em 1802.

Quando as tropas escravistas andavam por perto, as escravas liberadas enchiam de sementes suas frondosas cabeleiras africanas. Como em outros lugares das Américas, transformavam suas cabeças em celeiros, para o caso de ter de sair correndo em disparada. (p.83)

*

Agosto

11

Família

Como se sabe na África negra e na América indígena, a sua família é a sua aldeia completa, com todos os seus vivos e os seus mortos.

E a sua parentela não termina nos humanos.

Sua família também fala com você na crepitação do fogo,

nos rumos da água que corre,

na respiração do bosque,

nas vozes do vento,

na fúria do trovão,

na chuva que beija

e na cantoria dos pássaros que saúdam os seus passos. (p.257)

*

Agosto

30

Dia dos Desaparecidos

Desaparecidos: os mortos sem tumba, as tumbas sem nome.

E também:

os bosques nativos,

as estrelas na noite das cidades,

o aroma das flores,

o sabor das frutas,

as cartas escritas a mão,

os velhos cafés onde havia tempo para perder tempo,

o futebol de rua,

o direito a caminhar,

o direito a respirar,

os empregos seguros,

as aposentadorias seguras,

as casas sem grades,

as portas sem fechadura,

o senso comunitário

e o bom-senso. (p.276)

*

Setembro

7

O visitante

Nestes dias do ano 2000, cento e oitenta e nove países firmaram a Declaração do Milênio, e se comprometiam a resolver todos os dramas do mundo.

O único objetivo alcançado não aparecia na lista: conseguiu-se multiplicar a quantidade de especialistas necessários para levar adiante tarefas tão difíceis.

Pelo que ouvi dizer em São Domingos, um desses especialistas estava percorrendo os arredores da cidade quando se deteve diante do galinheiro de dona Maria de las Mercedes Holmes, e perguntou a ela:

- Se eu disser exatamente quantas galinhas a senhora tem, a senhora me dá uma?

E ligou seu computador tablet com tela touch screen, ativou o GPS, conectou-se através de seu telefone celular 3G com o sistema de fotos de satélite e pôs o contador de pixels para funcionar:

- A senhora tem cento e trinta e duas galinhas.

E pegou uma.

Dona Maria de las Mercedes não ficou calada:

- Se eu disser ao senhor qual é o seu trabalho, o senhor me devolve a galinha? Pois então eu digo: o senhor é um especialista internacional. Eu notei porque veio sem ser chamado por ninguém, entrou no galinheiro sem pedir licença, me contou uma coisa que eu já sabia e me cobrou por isso. (p.287)

*

Setembro

13

O viajante imóvel

Se não me engano, em 1883 nasceu Sandokan, príncipe e pirata, tigre da Malásia.

Sandokan brotou da mão de Emilio Salgari, como outros personagens que acompanharam a minha infância.

O pai, Emilio Salgari, havia nascido em Verona, e nunca navegou além da costa italiana. Nunca esteve no golfo de Maracaibo, nem na selva de Iucatã, nem nos portos de escravos da Costa do Marfim, nem conheceu os pescadores de pérolas das ilhas Filipinas, nem os sultões do Oriente, nem os piratas do mar, nem as girafas da África, nem os búfalos do Velho Oeste.

Mas graças a ele, eu sim, estive, eu sim, conheci.

Quando minha mãe não me deixava ir além da esquina de casa, os romances de Salgari me levaram a navegar os sete mares do mundo e outros mares mais.

Salgari me apresentou a Sandokan e a lady Mariana, seu amor impossível, a Yáñez, o navegador, ao Corsário Negro e a Honorata, a filha de seu inimigo, e a tantos amigos que ele havia inventado para que o salvassem da fome e o acompanhassem na solidão. (p.293)

*

Setembro

23

Navegações

Era chamada de Mulata de Córdoba, não se sabe por quê. Mulata era, mas havia nascido no porto de Veracruz, e lá vivia desde sempre.

Dizia-se que era feiticeira. Lá pelo ano de 1600 e qualquer coisa, o toque de suas mãos curava os enfermos e enlouquecia os sãos.

Suspeitando que o Demônio a habitasse, a Santa Inquisição trancou-a na fortaleza da ilha de San Juan de Ulúa.

Em sua cela, ela encontrou um carvão, que algum fogo antigo havia deixado lá.

Com esse carvão se pôs a rabiscar a parede; e sua mão desenhou, sem querer querendo, um barco. E o barco se soltou da parede e o mar aberto levou a prisioneira. (p.303)

*

Outubro

12

O Descobrimento

Em 1492, os nativos descobriram que eram índios,

descobriram que viviam na América,

descobriram que estavam nus,

descobriram que deviam obediência a um rei e a uma rainha de outro mundo e a um deus de outro céu,

e que esse deus havia inventado a culpa e o vestido

e que havia mandado que fosse queimado vivo quem adorasse o Sol e a Lua e a terra e a chuva que molha essa terra. (p.324)

*

Outubro

22

Dia da Medicina Natural

Os índios navajos curam cantando e pintando.

Essas artes medicinais, sagrado alento contra o desalento, acompanham o trabalho das ervas, da água e dos deuses.

Durante nove noites, noite após noite, o enfermo escuta o canto que espanta as sombras más que se meteram em seu corpo, enquanto os dedos do pintor pintam na areia flechas, sóis, luas, aves, arco-íris, raios, serpentes e tudo que ajuda a curar.

Concluídas as cerimônias de cura, o paciente volta para casa, os cantos se desvanecem e a areia pintada voa. (p.334)

*

Deixei esta história por último porque ela me chamou bastante a atenção. Gosto muito de uma música da banda australiana Midnight Oil, chamada Truganini e sei que faz referência a uma personagem da resistência nativa da região australiana, na época em que os ingleses conquistaram o território. Meu conhecimento acabava aí. Aí, veio o Galeano e me contou isto:

Maio

8

O demônio da Tasmânia

É famoso no mundo esse monstro diabólico, de bocarra aberta e dentes destroçadores de ossos.

Mas o verdadeiro demônio da Tasmânia não veio do Inferno: foi o império britânico que exterminou a população desta ilha, vizinha da Austrália, com o nobre propósito de civilizá-la.

A última vítima da guerra inglesa de conquista se chamava Truganini. Essa rainha despojada de seu reino morreu no dia de hoje de 1876, e com ela morreram a língua e a memória de seu povo. (p.154)

*

Pois é … Sad smile. De qualquer forma, fiquei curiosa e desejo conhecer melhor a história desta mulher. Foram muitas as coisas que aprendi lendo este livro e, acima de tudo, I had a very good time, como eles dizem lá. Espero que vocês também gostem dos trechos que escolhi e se sintam estimulados a ler, não só Os Filhos dos Dias, mas a obra do Eduardo Galeano como um todo. Vale a pena! E, evidentemente, eu falarei mais dele, por aqui. Deixo vocês, agora, com a Truganini, do Midnight Oil. Vou curtir meu feriado, afinal, também sou filha de Deus! mini_gifs76 Nos vemos na próxima postagem!

Abraços,

Lunamini_gifs185

 

 

 

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